sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Velhas lutas

António era um rapaz moreno de cabelo preto, alto e bonito, detentor de uma particularidade que chamava para si a atenção das raparigas: os seus penetrantes olhos verdes. Este de quem vos falo era um rapaz especial. António nascera órfão e do nada trilhou o seu caminho até ao reconhecimento de toda a sociedade portuguesa.

Estudou em escolas públicas, apoiado por bolsas e benfeitores. Licenciou-se e doutorou-se em Física, tornando-se num dos mais conhecidos cientistas portugueses de sempre. Provou Einstein errado, casou com uma mulher linda e teve cinco filhos – a sua própria ínclita geração – Pedro, Sofia, André, Rita e Luís os seus nomes. Era uma estrela no firmamento, um comunicador nato de um prestígio intocável. Pediram-lhe que se envolvesse na política, que salvasse o país, mas ele não aceitou. Sabia dentro de si que o bem que podia fazer pela humanidade era maior do que aquele que podia fazer pelos seus concidadãos.

Dos filhos, Luís era o mais velho e mais brilhante. Estudara medicina e, influenciado pelo pai e pela sua timidez em lidar com pessoas, decidiu-se pela investigação. Participou na equipa que descobriu a cura para a sida e fez importantes descobertas ao nível genético para explicar doenças como o Cancro ou Parkinson. Não foi mais brilhante do que o pai, mas foi mais reconhecido, e assim se explica que tenha sido a primeira pessoa da família a receber um prémio Nobel.

Rita era a empresária da casa. Herdeira do pai na sua figura esbelta e atraente, assim como nas capacidades de comunicação, servindo-se disso para fazer carreira no mundo dos negócios. Convenceu o pai e o irmão a trabalharem em equipa e a convenceu os amigos destes a juntarem-se-lhes. Começou a criar aquilo que seria mais tarde conhecido como uma das maiores fortunas do nosso país. A imprensa preferia normalmente focar-se em outros membros, mas era Rita a alma do sucesso, dominando por completo os jogos de bastidores e protegendo a família de tudo aquilo que contra ela veio.

Pedro era o mais novo, o pateta alegre e mimado. Nasceu já sem preocupações de qualquer ordem, e por isso tratou de as arranjar ele. Concentrou-se naquilo que faltava ao resto da família, diversão e responsabilidade social. Era ele o cimento da casa, o factor que ligava a família e a impedia de desmoronar nas suas normais querelas internas, que os fazia sorrir mesmo nos momentos mais difíceis, que fazia o resto dos irmãos – com excepção do mais velho – ver para além do seu próprio umbigo e preocupar-se com os problemas dos pobres e do país.

Sofia e André eram gémeos, com uma cumplicidade sem igual. Luís costumava contar sobre uma vez em que os levara a uma festa de faculdade, tinha ele vinte e quatro anos e eles dezoito, e em que Sofia tinha convencido a miúda mais gira do seu ano de medicina de que Ricardo, um puto sete anos mais novo, era um romântico inveterado e um partido sem igual. Alguém tão meloso que enjoava. A rapariga fascinou-se, não acreditou, começou a falar com ele e o André tratou do resto. Em troca do trabalho de “wing-man”, André mimava a irmã e protegia-a de tudo, tendo inclusivamente espancado um ex-namorado desta que a traíra sem que ela alguma vez o descobrisse. O seu companheirismo levou-os a trabalhar para a família e era seu o exemplo que ilustrava o lema da empresa – um por todos, todos por um. Fazer um esforço colectivo para proporcionar o bem de um terceiro, estranho ou conhecido, amigo ou inimigo, cliente, mendigo, ou qualquer outra coisa.

Sei que vocês nunca conheceram o António. Nem os seus filhos, que nunca nasceram. Mas ele poderia estar por aí, algures, não fosse ter ficado pelo caminho. António foi um dos 22 875 abortos feitos em Portugal desde 2007 até Fevereiro de 2009.

Nunca teve a oportunidade de respirar, de crescer, de sorrir, de amar, de perder, de chorar. Os seus filhos nunca nascerão para tornar Portugal num sítio melhor para todos. A sua mulher nunca o conhecerá.

Não é acerca do que cada um de nós ganha. É sobre o que todos perdem.

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2 comentários:

  1. Ai...passei este post, mas não podia deixar de comentar!
    Meus amigos..."Novas lutas"...esta é a de todos os dias!!

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  2. Eternas lutas! De todas, a mais Nobre! "Não é acerca do que cada um de nós ganha. É sobre o que todos perdem." Inspirado, mais um vez!

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