Muito, muito amiúde é o nosso país retratado como imerso num marasmo sócio-cultural de que jamais poderia sair, a modos de um recanto atrasado da União Europeia, mais dependente que nunca desta integração.
Não creio que haja algo de fundamentalmente errado nesta análise, no entanto esta enferma de um pecado capital - ser assinada por quem menos esperássemos - pelos próprios portugueses, quase orgulhosamente.
Um facto curioso que talvez ajude a explicar este comportamento é a reduzida exposição internacional dos portugueses e a ignorância generalizada a respeito dos "países avançados" e "civilizados" com os quais nos comparamos a todo o momento.
Não espanta, por conseguinte, que a nossa percepção acerca de nós mesmos seja tão violentamente afectada por qualquer viagem ao estrangeiro. Ao chegar aí, todos sentem falta de inúmeros detalhes que - só aí se apercebem - pautam a nossa vida e até a nossa felicidade, essa palavra semi-proibida neste "cantinho à beira-mar plantado".
À margem das críticas que então surgem às bárbaras civilizações, sobretudo norte-europeias, despertando de uma ingenuidade infantil acerca da "vida lá fora", será interessante questionar - que temos a aprender sobre a nossa política?
A "política à portuguesa" parece marcada por uma atracção irresistível pelo proibido, um certo prazer de viver à margem das regras gerais e insensíveis, de tornar hoje possível o que ontem era ainda impensável. Não nos servem as estatísticas, sejam económicas ou de desenvolvimento, pois há sempre uma margem de erro - chamemos-lhe economia paralela, qualidade de vida, clima, experiência (entretanto contabilizada pelas Novas Oportunidades) ou hospitalidade. Somos um país de externalidades, mas que teima em internalizar desigualdades sociais e desequilíbrios financeiros que nos perseguem e nos ameaçam como uma bomba-relógio.
No entanto, ao despertar do nosso sono, concluímos não ser os detentores da verdade absoluta a respeito da corrupção - afinal também na velha Inglaterra como na nova América vive a classe política de ajudas de custo ou estranhos subsídios e até na regrada Suécia se entregam rotineiramente malas de dinheiro em pagamento da adjudicação de obras públicas...
Ao colocar a mão na consciência, cada um se apercebe de que não é estranho a qualquer responsável intermédio, membro da sempre explorada classe média, receber presentes pouco inocentes pelo Natal (a célebre garrafa de vinho), além dos inevitáveis convites para eventos sociais ou desportivos. Aqueles a quem não é dado aceder a estes gestos de cortesia não desdenharão tais oportunidades, se um dia as tiverem.
Há algo de semelhante em receber milhões (não para a conta do partido mas para a própria) a troco de uma qualquer licença ou alvará? Sim e não, mas sobretudo não. Estes comportamentos são, para escândalo geral, a excepção, bem distinta da regra da fuga aos impostos ou daquela "pequena" e imperceptível corrupção.
Os traços caracterizadores da nossa política não se poderão assim encontrar generalizando comportamentos criminosos raramente imputados e condenados ou atentando às miudezas culturais que explicam a pequena corrupção ou o estilo sul-americano dos corruptos.
O que nos torna então diferentes? O nosso percurso, a nossa história, as marcas que ainda restam dele. O enviesamento do espaço político à esquerda (o CDS pode já não estar "rigorosamente ao centro", mas está pequeno e sozinho), o conservadorismo das forças de esquerda em matérias não laborais (leia-se, as políticas estruturalmente socialistas outrora adoptadas), o preenchimento do espaço vazio por um mito sebastianista ou salazarista, que leva os eleitores a desejar uma espécie de "Salazar de Esquerda", o estranho contraste entre o tabu da religião em política e o poder ainda detido pela Igreja, mesmo que merecido e ameaçado, a iliteracia dos portugueses, aqui e ali aligeirada por alguma exposição sócio-cultural que o trabalho no turismo e nos serviços confere à maioria do eleitorado.
Que receitas políticas inéditas será preciso inventar? Alguma que preencha o espaço vazio no espectro político, que clarifique se há mesmo espaço para dois partidos sociais-democratas e previna derivas extremo-direitistas. Outra que introduza de uma vez por todas no debate político a discussão das causas e dos efeitos das políticas, em lugar da imputação de responsabilidades ao anterior e ao actual governo (que, a crer na classe política, controlam tudo o que acontece de mau no país). Outra ainda que ensine aos portugueses o que é a política, com recurso a todos os media popularesm começando pelas telenovelas (reais e ficcionadas) do horário nobre.
Por fim uma ainda que faça com que os portugueses "vão para dentro lá fora". Com ou sem literacia, este é mesmo a mais necessária a que aprendamos algo sobre a nossa identidade, o nosso destino, a nossa missão como povo (se houver alguma) e a intervenção que cada um deva ter na vida política que é de todos.
P.S. Salazar nunca foi além de Badajoz, o que diz muito sobre a sua visão do país. Terá sido o único?
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