Pode parecer estranho, mas quis aproveitar a silly season para trazer um tema aborrecido.
Muito se tem dito e escrito sobre a racionalidade de construir uma rede de alta velocidade.
Pois bem, parece-me que a questão está mal colocada e tem enviesado (quase) todas as respostas.
Devemos perguntar-nos, isso sim, se queremos construir uma nova rede ferroviária.
Essa nova rede teria a bitola (i.e. distância entre carris) de todas as redes europeias modernas e da nova rede espanhola. Não é difícil perceber que, no longo prazo, a sobrevivência do transporte internacional de mercadorias por via ferroviária depende da construção desta rede. De outro modo, será preciso transbordar a carga não nos Pirinéus (como até agora sucedia), mas em Vilar Formoso, à medida deste "grande" mercado de exportação.
A que conduziria a ausência de transporte ferroviário credível? À sobrecarga da já sobrecarregada rede rodoviária, com as externalidades inerentes: custosa poluição, inquantificável perda de vidas humanas nas estradas, entre outras. Talvez mesmo até à saída de alguns dos grandes pólos de Investimento Directo Estrangeiro, Auto Europa à cabeça. É ainda preciso dizer que estamos muito aquém do nosso potencial de competitividade no transporte de mercadorias, desde há décadas, por este motivo; mas que só agora podemos debelar esse problema com a existência da nova rede espanhola.
Vistas as coisas desta forma, como o custo marginal da velocidade e dos comboios não tem uma grande expressão relativa e como as redes se constroem para 150 anos (caso da nossa), ninguém faria agora uma rede de baixa velocidade. Quanto a comprar os comboios, não se vê aí o ponto decisivo da factura da obra: o que importa é garantir que o Estado não vai subsidiar um negócio ruinoso de transporte de passageiros - essa exploração (privada!) que morra por si e que arranque quando for rentável, mesmo que seja só daqui a alguns anos.
No entanto, esta argumentação não é unívoca. Quais são as suas fragilidades?
Em primeiro lugar, parece-me essencial fazer o TGV, mas nada óbvio que tenha de ser feito agora. É pouco crível que a desvantagem competitiva de não ter TGV se faça agudamente sentir na captação de IDE nos próximos 10 ou até 20 anos. O momento financeiro parece desaconselhar o arranque do projecto; haverá que aproveitar a flexibilidade temporal que exista para optimizar o project finance e fixar um calendário que não continue a sofrer adiamentos.
Por outro lado, os contornos específicos do projecto devem orientar-se para o transporte de mercadorias e não, falaciosamente, para o transporte de passageiros (leia-se para o empolamento do desenvolvimento regional de certos apeadeiros, como o da Ota). O actual traçado da linha do Norte teve na sua primeira formulação o pecado capital de não prever o transporte de mercadorias entre Lisboa e Porto (!! deixando o país com uma rede bicéfala desligada), já que é muito caro assegurá-lo sobre pontes e viadutos na região Oeste. Mesmo assim, o seu custo excederá, segundo estudos publicados, no mínimo em 1000 M€ de um traçado que, ainda que atravessando o Tejo duas vezes, passasse por Santarém e pelo "deserto" da margem Sul.
Importa reflectir sobre estas e outras questões que possam existir com os argumentos correctos! Mal por mal, a abordagem política mais séria que vi deste assunto foi a do Programa Eleitoral do PSD, mesmo depois de algumas declarações imprecisas da Dª Manuela Ferreira Leite.
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