sexta-feira, 22 de abril de 2011

Se este país em que vivo fosse outro

Se neste país houvesse vergonha, José Sócrates não seria tratado por Engenheiro José Sócrates, devido à vergonha que teríamos só pela possibilidade de termos uma universidade, aceite pelo estado (e o estado somos nós), que permitisse um caso como o que com ele se passou.

Se neste país houvesse vergonha, José Sócrates não seria primeiro-ministro há muito mais tempo pois teria reconhecido a sua falta de capacidades para as funções que desempenhava ou porque, acreditando nas suas capacidades, não quereria desprestigiar a sua função com algumas das acusações que sofreu (i.e. interferência na liberdade de imprensa).

Se neste país houvesse vergonha, José Sócrates não seria candidato a primeiro-ministro porque no seu partido, em vez do oportunismo político de figuras como António Costa, António Vitorino ou mesmo Mário Soares, figuraria o sentido de estado e a noção de que é preciso fazer melhor, muito melhor. De que este não é o momento da ambição pessoal nem do calculismo político, mas sim da coragem política e da ambição nacional.

Se neste país houvesse vergonha, ninguém votaria em deputados que não pensam exercer a sua função, ou que aceitam apenas exercê-las perante determinadas condições. Como se a vontade que mostram não fosse a de servir aqueles que neles votaram, votam ou votarão, mas sim a de servir a sua própria agenda.

Se neste país houvesse vergonha, não teríamos medo de chamar às pessoas do actual governo "criminosas", pelo modo como brincaram com dinheiro que não era deles. Pela forma como acreditaram poder fazê-lo impolutamente. Pela forma como hipotecaram não só as gerações de hoje e os seus sonhos, mas também as de ontem e as de amanhã. Pela forma como fazendo-o sem o perceberem, brincando com coisas que simplesmente não compreendem, deixaram a situação arrastar-se e a tornaram ainda pior.

Se neste país houvesse decência, olharíamos para os nossos filhos com pena. E com vergonha por aquilo que não fizemos por eles. Pelo medo que tivemos de agir.

Se neste país houvesse coragem, não nos calaríamos de cada vez que alguém diz que a culpa não é sua, que nada podia fazer. Não nos calaríamos porque lhe chamaríamos mentiroso, porque a culpa é de todos, porque podíamos ter feito muito, muito mais. Porque escolhemos não o fazer.

Se neste país houvesse honra, ninguém conseguiria aceitar esta situação enquanto passeia pelos centros comerciais, ou vai à praia. Todos sentiríamos a dor cá dentro de ver Portugal a destruir-se. Portugal, o nosso país. Um agregado de histórias e lutas de várias gerações, um legado que hoje é levado por nós, por todos nós. Um legado ao qual não fazemos honra.

Se para este país ainda houver esperança, José Sócrates não será primeiro-ministro depois das próximas eleições. Cabe a todos nós lutar por isso. Ao menos isso.

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