domingo, 11 de outubro de 2009

Veto de gaveta

Quem não se recorda da expressão que tão bem assentava ao Presidente Ramalho Eanes?

Pois é, temos agora uma generalização desse conceito para o n=27 da União Europeia. O Presidente Vaclav Klaus decidiu aplicá-lo ao Tratado de Lisboa, numa derradeira cruzada pelo prolongamento da vida defunta do "remendo de Nice", já várias vezes ressuscitado pelos erros e hesitações na construção de um novo tratado.

Seria bom que alguém lhe explicasse que de pouco valerá o seu país a amizade de circunstância com o provável futuro Prime Minister David Cameron (ainda não perdi a esperança de que perca as eleições). É que toda essa máquina de Bruxelas é controlada por franceses, alemães e mais alguns vizinhos e amigos. Além de que os ingleses mantêm uma longa tradição diplomática de não se imiscuir na defesa dos interesses particulares de quaisquer outros estados da UE, menos ainda dos mais pequenos.


E não poderá esconder-se eternamente atrás do recurso de fiscalização sucessiva de constitucionalidade que o primeiro ministro checo evoca, em jeito de desculpa. Aliás, já desmentiu que a promulgação dependa de uma questão jurídica. Que poderá ser este veto senão um delay grosseiro? Diz o povo que quando nos tentamos tapar com um lençol curto, alguma coisa tem de ser destapada, a cabeça ou os pés.

Pois bem, a minha interpretação desta situação é de que está destapado o verdadeiro projecto de política externa que o partido Tory, um insólito retrocesso face às posições de Thatcher e Major. Instrumentalizar estados membros mais pequenos a despeito das suas regras constitucionais e da vontade democrática - bem ou mal expressada, com referendo ou com representação parlamentar! Nada mau.

Há quem veja nesta eleição uma oportunidade de refresh para o conservadorismo europeu, até em Portugal. Por mim, tenho que Sir Edmund Burke anda às voltas no túmulo com esta posição inaceitável, sem ética e imprudente, que poderá arruinar o que ainda resta do prestígio britânico na cena internacional. Querer impor efeitos retroactivos a uma eleição que vai decorrer para o ano é uma vergonha e uma atentado ao fluir natural da sociedade!

Muito mais me escandaliza que outros escandâlos que já varreram o Partido Conservador. É urgente uma demarcação da parte do mesmo partido face a este comportamento, independentemente da posição política muito legítima que possa ter face a Lisboa.

De outro modo, resta-nos confiar na boa escola da política portuguesa, para que muna Durão Barroso dos instrumentos intimidatórios necessários a empurrar a ratificação do Tratado de Lisboa. A bem ou a mal. O veto de gaveta é, antes de mais para quem o faz, uma vergonha, porque é um gesto anti-democrático.

Seria bom que aos promotores do Tratado se juntassem as vozes que dos "guardiões da democracia", surpreendentemente adormecidos por esta altura. Afinal, parece que quase todos os opositores do Tratado, à direita e à esquerda, alinham por este jogo sujo.

Assim vai a Europa.

2 comentários:

  1. "Querer impor efeitos retroactivos a uma eleição que vai decorrer para o ano é uma vergonha e uma atentado ao fluir natural da sociedade!" Concordo.

    "O veto de gaveta é, antes de mais para quem o faz, uma vergonha, porque é um gesto anti-democrático." Concordo mas todo o processo de aprovação do Tratado de Lisboa está cheio de gestos anti-democráticos. Referendos feitos que não foram respeitados e referendos prometidos que nem chegaram a ser feitos com medo do resultado, ajudam a que o respeito pela democracia, pelo projecto e participação vá diminuindo. Consequência (por agora): uma abstenção record em eleições europeias. A nossa opinião, no fundo, não serve para nada. Vamos lá ver quantas mais imposições estão os europeus dispostos a aturar no futuro.

    ResponderEliminar
  2. Obrigado pelo comentário :)

    É verdade, é verdade. A falta de ética democrártica funciona como a violência, gera-se a si mesma.
    Não sei como se sairá disto alguma vez - fazendo a UE imposta uma UE desejada pelos povos que supostamente a inspiram e que (pelo menos a meu ver) até serve os seus melhores interesses!

    ResponderEliminar