domingo, 17 de janeiro de 2010

O Titanic a afundar e a orquestra a tocar

"De acordo com as notícias desta semana, o governo está empenhado na actualização do regime jurídico do casamento. O PSD está empenhado em ouvir escutas telefónicas para aferir o carácter moral do primeiro-ministro. O PCP e o BE estão empenhados em que os mesmos magistrados que não conseguem guardar o segredo de justiça possam ter acesso às contas bancárias de qualquer pessoa, e a persigam se acharem que ela tem mais dinheiro do que devia. O CDS-PP está empenhado em tornar-se imprescindível nos jogos políticos da Assembleia da República. E os deputados estão empenhados em insultarem-se uns aos outros.

Se me permitem, e se não os distraio demasiado destes afazeres, gostava de recordar aos nossos governantes uns pequenos detalhes. 548 mil portugueses estão desempregados. Cerca de 1,850 milhões de portugueses recebem pensão de velhice, 300 mil recebem pensão de invalidez, e 380 mil recebem o rendimento social de inserção.
Para apoiar estes 3,078 milhões de portugueses, trabalham somente 5,020 milhões de portugueses.
"

Ricardo Reis, Jornal i


Recomendo a leitura do resto do artigo, cujo autor é um dos mais eminentes economistas portugueses vivos que, como é óbvio, não se encontra em Portugal, e até é de admirar que dedique parte do seu tempo a escrever crónicas ocasionais sobre o nosso país para o Diário Económico e outros seleccionados órgãos da imprensa nacional. É cada vez menos de admirar: efectivamente, Portugal já se tornou, desde as infames intervenções do FMI em 1977 e 1982, um caso patológico para a ciência económica sobre o qual muita tinta tem corrido. Com uma notável excepção durante as duas legislaturas de Cavaco Silva (que, ao aceder ao Governo como Primeiro-Ministro, ainda estava fresquinho do gabinete de estudos do Banco de Portugal), os sucessivos governos têm-se mantido impassíveis a recomendações de política emanadas dos mais diversos organismos internacionais. Seria de esperar que o fantasma de intervenção do FMI que se materializa junto da Irlanda e da Grécia forçasse o actual governo a adoptar uma atitude mais realista, e mais aberta às instruções que têm sido gentilmente oferecidas. Uma oportunidade de ouro foi perdida em 2007, quando um estudo relativamente detalhado sobre o ajustamento (falhado) português na zona Euro foi realizado pelo actual economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard. Não apenas as recomendações foram ignoradas, como o Banco de Portugal que, inicialmente, tinha sugerido a elaboração do estudo, impediu a sua publicação durante vários meses.
Não é de admirar, num país em que as aparências valem tudo, a forma prevalece sobre a substância, que as inconveniências sejam silenciadas. De facto, que valor acrescentado gera a este nosso governo göbbelsiano (já amadureceu o orwellianismo) um qualquer documento cuja primeira oração seja The Portuguese economy is in serious trouble (...)?

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